quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

REVISTA DA CULTURA



Nuno Ramos foi revelado como artista plástico ao lado de outros pintores paulistanos que formavam o ateliê Casa 7. De lá, saíram, nos anos 1980, nomes como Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro. Participou de diversas bienais e mostras de arte ao redor do mundo, tem obras em importantes acervos e acaba de ser consagrado também como escritor ao vencer o prêmio Portugal Telecom pelo livro Ó.

A pintura apareceu primeiro na sua vida. Como encontrou a palavra? Comecei pela poesia, no início da adolescência. Foi uma crise com a palavra e seu caráter abstrato o que me levou às artes plásticas. Logo me identifiquei com o peso, o corpo dos materiais como artista plástico, em contraposição ao sopro abstrato da linguagem. Acho que pude voltar a escrever uns cinco anos depois, então com certa concreção das palavras, sentimento de peso e fisicalidade vocabular. Gostaria de escrever como quem marreta, pisa, dobra, fura, corta.

Como você distingue as duas linguagens? Ser artista plástico, em suas diversas linguagens, é sempre referir-se a um outro – matéria e corpo. Não acho escrever mais intelectual, talvez mais abstrato, menos comprometido com as leis da física. Por outro lado, há um movimento contrário nesta comparação – o escritor que senta no computador usa a mesma matéria de seu cotidiano. Ele deve purificar a linguagem, libertá-la deste visgo mundano. Para o artista plástico, a separação já está feita. Poucos andam com um pedaço de parafina no bolso. Neste sentido, a literatura é mais concreta. Meu trabalho como artista plástico tenta produzir certo impacto na recepção – tende à grande escala e ao apelo físico. Como escritor, meu tom é menor, talvez em um misto de empatia e estranheza.


E o dia a dia para a realização de um livro e de uma obra de arte? Escrevo de manhã, com a casa mais quieta, quando “baixa” certa inspiração (dá até vergonha de falar). Tenho muitas vezes a sensação de perder oportunidades de escrever no metrô. Por isso mesmo, nem sempre venço a tela branca. O fluxo, às vezes, simplesmente some. Com as artes plásticas, nada disso ocorre – trabalho com outras pessoas, desenvolvo uma ideia, mas preciso friccioná-la com o corpo que elejo para ela. Há sempre uma operação fora de mim me esperando, uma matéria, com seus limites e características, que preciso entender e com os quais devo negociar. O lado mais neutro e cotidiano de escrever talvez seja o segundo momento, o de reler, cortar, cortar. Esse é, de alguma forma, mais técnico, depende menos de impulso.

Que artistas e escritores o influenciaram e o inspiram? Fora daqui, Jackson Pollock e Joseph Beuys. No Brasil, Hélio Oiticica. Mas muitos outros artistas me influenciaram pontualmente. Se tivesse que eleger um só livro, diria o Em busca do tempo perdido, do Proust [Marcel], e, nas narrativas curtas, Tchekhov [Anton] e Kafka [Franz]. Outra grande influência veio do Molloy, do Beckett [Samuel], que li mais de uma vez. No Brasil, adoro Drummond, especialmente entre José e Lição de coisas. Acho que A paixão segundo G.H. e contos como O crime do professor de matemática, da Clarice [Lispector], são importantes para mim. Li os japoneses recentemente: Tanizaki [Junichiro], Kawabata [Yasunari], Oe [Kenzaburo]. Ando relendo Emily Dickinson. Adorei o Sebald [Winfried]. Gostei também do Bolaño [Roberto], os contos, especialmente. Tenho um gosto especial pelo Herzog, do Bellow [Saul], e pelo Teatro de Sabat, do Roth [Phillip]. E sempre dou uma olhada nas peças curtas, do fim da vida, do Beckett [Samuel].

Já tem planos para um novo livro? Devo publicar um livro de narrativas, pensamentos e dispersos, chamado O mau vidraceiro – título tirado de Pequenos poemas em prosa,
do Baudelaire [Charles] – no começo do ano que vem. ©

http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/rc29/index2.asp?page=literatura