terça-feira, 3 de março de 2009

REVISTA DA CULTURA

Cássia Fragata

Filha de cariocas, a escritora Ruth Rocha nasceu paulista em março de 1931. Sua infância “alegre e cheia de livros e gibis” foi no bairro da Vila Mariana, em São Paulo. Estudou em alguns dos melhores colégios da cidade, como o Bandeirantes e o Rio Branco, formou-se em Sociologia e Política pela Universidade de São Paulo e é pós-graduada em Orientação Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Foi como atendente de biblioteca no colégio Rio Branco que Ruth começou a conviver com as crianças; conversava com elas e lhes indicava livros. Mas foi como orientadora educacional do mesmo colégio – cargo que ocupou por 15 anos – que passou a conhecer mais de perto os conflitos e anseios infantis.
Em 1967, começou a escrever artigos sobre educação para a revista Claudia e participou da criação da revista Recreio, da editora Abril, na qual teve suas primeiras histórias publicadas. Mas foi só aos 45 anos que lançou seu primeiro livro, Palavras, muitas palavras. De lá pra cá, já foram mais de 140 e cerca de 20 milhões de exemplares vendidos.
Em outubro de 2007, a escritora foi eleita para a cadeira 38 da Academia Paulista de Letras. Em seu discurso de posse, em 27 de abril deste ano, Ruth homenageou seus professores, os acadêmicos e seu grande mestre, Monteiro Lobato, e lembrou que o escritor foi o primeiro autor de livros infanto-juvenis a ser admitido na Academia. Mas a grande homenagem da noite ela dedicou aos pequenos. “Vejo poucas crianças na platéia, naturalmente pelo horário desta cerimônia. Mas a elas dedico as próximas palavras:

"Toda criança do mundo
mora no meu coração
Seja pobre, seja rica,
Seja grandona ou nanica,
Mulata, ruiva, amarela,
Seja bonitinha ou feia
De trança ou touca de meia
Use sapato ou chinela...
Seja branca ou seja preta
De seda ou de camiseta
Com diploma ou sem escola
Triste, alegre ou boazinha
Que goste de amarelinha
Ou goste de jogar bola...
Seja indiazinha do mato
Não goste de usar sapato
Caeté ou cariri
Caipira ou da cidade
Diga mentira ou verdade
Em português ou tupi.
More em casa ou num barraco
Coma na mão ou no prato
Viva lá no fim do mundo
Durma na cama ou no chão
Toda criança do mundo
Mora no meu coração.”


Ruth falou à Revista da Cultura e creditou às crianças a grande motivação para o seu trabalho.

O que a criança gosta de ler? Ela é que sabe. Cada criança é diferente das outras, tem vivência diferente, inteligência diferente, aptidões diferentes, constituição física diferente. O escritor escreve o que lhe apraz, o que lhe agrada, o que ele quer transmitir. O leitor escolhe de acordo com sua vontade.
Com tantos livros escritos, sentiu saudade de algum depois que terminou? Cada livro nos marca de uma maneira diferente e especial, mas não sinto saudade de nenhum, pois o importante mesmo não é escrever, é ter escrito.
Como é o seu processo de criação? Não sei explicar meu processo de criação, mas tem tudo a ver com leitura, conversa e alimentação pela arte e pela mídia. Conhecer crianças é o maior estímulo para meu trabalho.
O que pode fazer o escritor, a família, a escola, para que ler rime com prazer e não com obrigação? Fórmula conhecida: valorização da criança, da cultura, do conhecimento, da escola, do professor, da educação, dar exemplo: ler mais. Ter sossego em casa. Ter livros. Comprar, escolher, comentar. Verificar cuidadosamente as condições físicas e psicológicas da criança. Visão, ouvido, coordenação. Verificar se a criança fala bem. Conversar com ela. Falar e ouvir. Discutir pequenos problemas com lógica, sem emoção. Fazer da hora da conversa uma coisa prazerosa. Acompanhar com boa vontade, e visitar o médico quando necessário, o desenvolvimento da criança. Observar com carinho os eventos que possam causar problemas para a ela: dificuldades financeiras e conjugais dos pais; problemas de saúde da família; mortes, separações, traumas como assalto; rivalidade com irmãos, nascimento de outra criança na família. Jamais deixar a criança desamparada diante de violências. Principalmente da própria família. Amar seus filhos. A todos, igualmente, sem estimular competição pelo afeto dos pais.

Você adaptou a Odisséia, de Homero, para crianças, e seu marido, Eduardo, fez as ilustrações. Como foi? Como é trabalhar em família? Acho ótimo adaptar obras. E o fato de adaptá-las me dá a oportunidade de conhecê-las melhor e de amá-las ainda mais. O trabalho com Eduardo foi muito divertido.

Que tal adaptar Machado, Guimarães ou Graciliano? Não acho que esses autores tenham a distância necessária no tempo para precisar de adaptação. Além disso, são escritores do português e pertencem à nossa própria cultura.

Fale sobre a cadeira 38 da Academia Paulista de Letras. Como ficou sabendo da indicação e da votação? Fui convidada por alguns amigos da Academia, um dos quais o Loyola. Achei honroso e aceitei. É uma espécie de coroamento e a oportunidade de conhecer pessoas ilustres que eu ainda não conhecia.

Que títulos e autores foram importantes na sua formação? O autor mais importante na minha formação foi Monteiro Lobato. Além dele, reconheço a influência da poesia popular, das histórias que meu avô contava, dos livros que minha mãe leu para mim, das poesias que meu avô e minha mãe recitavam, das músicas que as lavadeiras cantavam. Como já disse antes, a leitura é o alimento do escritor. Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Guimarães Rosa etc., etc., etc. Li muitos, literatura francesa, inglesa, alemã, adoro a literatura portuguesa: Fernando Pessoa, Saramago, Eça de Queiroz, Miguel Torga etc.

O que tem lido agora? Leio muito atualmente sobre o Brasil, política, história, sociologia.

O que acha da educação dos pequenos hoje no Brasil? Lamentável em geral. Fora algumas ilhas de excelência, escolares ou familiares, o resto é lamentável, inclusive as manifestações da sociedade como um todo.

Poderia definir o que é cultura? Cultura é isso: a cultura acadêmica, bem temperada com a vida cotidiana. Com as influências familiares, com o entorno social, os amigos, a música, as artes, as festas, a comida, a cultura popular. ©


Acesse a REVISTA CULTURA NO SITE: http://www2.livrariacultura.com.br/culturanews/rc13/index2.asp?page=entrevista

Nenhum comentário: