sábado, 28 de fevereiro de 2009

REVISTA DA CULTURA

A internet fala a língua da pressa. A vida moderna nas grandes cidades, antenada, plugada, bombardeada de informação por todos os lados, também tende a falar cada vez mais o idioma da velocidade. Símbolos, gírias e abreviações são modos de comunicação que o formatam. Eles ajudam na rapidez, mas mexem com as bases da língua. O chamado internetês, uma palavra corrente, mas ainda ausente nos dicionários, é essa coisa híbrida, essa força de expressão.Como é que fica o português nessa história? Tem gente que espera o pior. O escritor Deonísio da Silva, doutor em Letras pela USP e autor do livro De Onde Vêm as Palavras (Mandarim), já chamou o internetês de “assassinato a tecladas da língua portuguesa”. O medo é de que a língua seja contaminada, que o internetês escrito nos e-mails, nos blogs, MSN, Orkut incentive o assalto à gramática. “O internetês é um fenômeno decorrente das transformações sociais, culturais e tecnológicas do mundo contemporâneo”, defende o professor e lingüista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília. E completa: “Do ponto de vista dos usuários da língua, podemos até dizer que é bom, porque dá provas de vitalidade, de flexibilidade e capacidade de adaptação às exigências da vida moderna.”

Sutilezas em Alta Velocidade
Caso você não esteja ambientado às navegações na rede, prepare-se para entender esse novo mundo. Expressões criptografadas como vc, naum, blz, bj, kkkkkkkkk, rs vieram para ficar. Elas são as ferramentas da língua da pressa. E muitas vezes ajudam a nuançar o que a frase, por si própria, não conseguiu. O “rs” (risos) ao final de uma sentença, por exemplo, pode indicar que ali existe uma ironia, porque nem sempre dá para captar sutilezas em alta velocidade.“Não podemos pensar unicamente na função comunicativa, mas também na força criadora e criativa da palavra”, afirma Ubiratan Brasil, do jornal O Estado de S. Paulo. Especializado em literatura, Ubiratan não é amigo do internetês. “Ele elimina os ‘floreios’ da língua, aqueles termos que dão um colorido indispensável à linguagem.” Claro que a afirmação vale mais para a literatura do que para um bate-papo virtual. O leitor que se aventurar a dar uma volta pela internet atrás do idioma próprio da rede vai descobrir diferentes conversas de diferentes tribos. Talvez não entenda por que escrever um “naum” pode ser mais prático do que digitar um simples “não”. “Tem um shift ali no meio. Acho que apertar duas teclas ao mesmo tempo dá uma certa preguiça em algumas pes­soas”, diz a produtora e designer Cris Lima, que tem 22 anos e o hábito de navegar em sites diferentes de diversão e relacionamento, como Last-fm, Flickr, Otumblr, Orkut, MSN, MySpace e Skype.

“É preciso lembrar que o internetês é uma mera questão de grafia”, aponta o professor Bagno. “Expressões como ‘blz’ (beleza), por exemplo, são impronunciáveis, não têm realização fonética possível, de modo que não existe nenhuma chance de, no futuro, as pessoas ‘falarem’ como se escreve na internet”, ele diz. Ou existe?O certo é que não dá para remar contra a corrente. No computador, a juventude já escreve nessa língua. Até que ponto o internetês pode contaminar o português escrito? “A internet já contaminou”, afirma o dono de um dos mais acessados blogs do país, o também apresentador de televisão  Marcelo Tas. “Não só a língua, mas a forma como a gente vive”, diz.

Doce-de-Coco
O escritor Antonio Prata pondera: “A língua não é uma senhora com cuja saúde devamos nos preocupar em excesso.”Destacando, no entanto, a importância da gramática nas conversas eletrônicas: “Quando faltam vírgulas e acentos necessários à compreensão da mensagem, é ruim. Como dizia Stanislaw Ponte Preta: “quem gosta de doce-de-coco sabe a importância do circunflexo”.O internetês nasceu para suprir a necessidade de unificar dois mundos diferentes, o real e o virtual. “Outro dia, zapeando pelos canais”, diz a designer Cris, “parei para assistir a um filme que, para minha surpresa, era legendado em ‘internetês’. As pessoas andam escrevendo, falando, lendo e interpretando como fazem diante do computador. Em algum momento isso vai ter que se integrar ao português.” Escrever bem, mesmo que seja no espaço virtual, depende de leitura. Ler ajuda a entender o mundo. As pessoas andam lendo mais ou menos do que antes? Bem, a realidade da internet demonstra que, aos trancos e barrancos, elas têm escrito cada vez mais. Um outro passeio veloz por alguns blogs de diferentes matizes espalhados pela internet mostra que, no mínimo, as pessoas procuram escrever num português legível. Aliás, os blogs de literatura e informação em português proliferam na rede.

Estímulo à Leitura
O suporte livro, que os arautos do apocalipse condenaram ao desaparecimento há alguns anos, não parece querer abandonar seu corpo físico. O que falta é estímulo para a leitura. E bibliotecas espalhadas democraticamente pelo país. “Isso ajudou os portugueses”, afirma o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que debita na conta das raras bibliotecas africanas existentes a escassez de novos e bons escritores no continente.

É conhecida a história de outro escritor de língua portuguesa, o brasileiro Ruy Castro, que começou a ler aos 4 anos, no colo da mãe. E debutou na leitura com as crônicas de A Vida como Ela É, de Nelson Rodrigues, publicadas no jornal carioca Última Hora. Claro que os tempos eram outros, e a casa da família de Ruy, recheada de livros, jornais e revistas, um caldo perfeito para quem queria aprender a ler. Hoje, Ruy trabalha no computador, cercado de livros. Mesmo nas mensagens rápidas da internet, escreve com a elegância de sempre.“Toda e qualquer língua viva do mundo é o resultado de todos os processos de transformação pelos quais ela passou ao longo de sua existência”, lembra o professor Marcos Bagno. “Se o português brasileiro contemporâneo é diferente do latim, do qual ele deriva, é porque ao longo da história houve muitas e variadas ‘contaminações’, isto é, processos internos à língua e também externos a ela, como o contato entre povos, as transformações sociais, as demandas culturais, etc.” Significa que um terreno tão fértil de expressão como a internet não passaria em branco no contato com a língua, mesmo que fosse apenas a escrita.

Apenas Ferramenta
Mas é importante saber que a internet não é um demônio com vontade própria, segundo Marcelo Tas. “A internet, assim como o telefone, os livros, a caneta Bic ou o liqüidificador, é apenas uma ferramenta”, ele diz. “É tarefa de cada um de nós descobrir uma forma de usá-la com sabedoria. Assim, vamos tecer uma rede que contenha conhecimento e beleza, e não só baboseiras.”O certo é que o preconceito puro e simples contra o internetês não vai ajudar a língua portuguesa a acomodar a riqueza da nova expressão surgida na rede. Que pode não ser culta nem bela, mas já é real. ©




Eles estão nas salas de bate-papo, nos e-mails, em toda a rede. São símbolos para comunicar estados de espírito (emoticons) e expressões das quais a tendência é não conseguir escapar. Conheça um pouco desse idioma:
AKI = Aqui
BJS = beijos
BLZ = Beleza
Buaa, snif = Choro, tristeza
Ctafim? = Você está a fim?
Ctaí? = Você está aí?
D+++++++++= Demais
FALOW = Adeus, até mais
KD = Cadê?
Pru6 = Para vocês
Rs, Hehehe, hauhuahaua = risos
T+ = Até mais, tchau
Vc = Você
;-) = Piscada, ironia
:-) = Feliz
:-( = Triste





Literatura e Comunicação na Era Eletrônica. Fábio Lucas (Cortez) - Este livro, de um grande defensor da expressão livre da internet, fala da criação literária tocada pelas mais variadas formas de comunicação da era moderna, como o rádio, o telégrafo, o cinema e a imprensa. Daí pode-se imaginar o que a internet é capaz de fazer com a literatura e a língua falada no Brasil. Interessante como ele compara a comunicação feita na velocidade da luz com o ritmo mais reflexivo da criação literária.

Preconceito Lingüístico: O que É, Como Se Faz. Marcos Bagno (Loyola- Existe, sim, um preconceito lingüístico arraigado na sociedade brasileira. Bagno, língüista e professor da Universidade de Brasília, mostra de que maneira a mídia e a multimídia colaboram para aprofundar essa atitude.

A Nova Desordem Digital. David Weinberger (Campus) - O autor analisa o fenômeno da gigantesca escalada da informação disponível na rede, e as maneiras, igualmente numerosas, de checar o que realmente interessa, se é valioso e correto.

The Cult of the Amateur: How Today’s Internet Is Killing Our Culture. Andrew Keen (Doubleday) - Keen é totalmente contra a “revolução” proposta pela segunda geração da internet, a web 2.0, com a interatividade de conteúdos propostos por amadores em blogs e sites como a Wikipédia e o YouTube. (Pode ser encomendado na Cultura)

A BOA LÍNGUA ESCRITA E FALADA - Dom Casmurro é apenas uma das obras-primas de Machado de Assis. Se escrever bem depende de um bom background de leituras, a melhor estratégia é começar pelo que interessa. Dom Casmurro não é apenas imensamente bem escrito: é um clássico de linguagem e de expressão cotidiana. A voz do autor ainda pode ser ouvida hoje, como se acabasse de ser pronunciada. Outra boa referência para se ter um português exemplar é ler Eça de Queiroz. Qualquer título vale pela elegância e correção no uso da linguagem.
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