sábado, 28 de fevereiro de 2009

REVISTA DA CULTURA

A internet fala a língua da pressa. A vida moderna nas grandes cidades, antenada, plugada, bombardeada de informação por todos os lados, também tende a falar cada vez mais o idioma da velocidade. Símbolos, gírias e abreviações são modos de comunicação que o formatam. Eles ajudam na rapidez, mas mexem com as bases da língua. O chamado internetês, uma palavra corrente, mas ainda ausente nos dicionários, é essa coisa híbrida, essa força de expressão.Como é que fica o português nessa história? Tem gente que espera o pior. O escritor Deonísio da Silva, doutor em Letras pela USP e autor do livro De Onde Vêm as Palavras (Mandarim), já chamou o internetês de “assassinato a tecladas da língua portuguesa”. O medo é de que a língua seja contaminada, que o internetês escrito nos e-mails, nos blogs, MSN, Orkut incentive o assalto à gramática. “O internetês é um fenômeno decorrente das transformações sociais, culturais e tecnológicas do mundo contemporâneo”, defende o professor e lingüista Marcos Bagno, da Universidade de Brasília. E completa: “Do ponto de vista dos usuários da língua, podemos até dizer que é bom, porque dá provas de vitalidade, de flexibilidade e capacidade de adaptação às exigências da vida moderna.”

Sutilezas em Alta Velocidade
Caso você não esteja ambientado às navegações na rede, prepare-se para entender esse novo mundo. Expressões criptografadas como vc, naum, blz, bj, kkkkkkkkk, rs vieram para ficar. Elas são as ferramentas da língua da pressa. E muitas vezes ajudam a nuançar o que a frase, por si própria, não conseguiu. O “rs” (risos) ao final de uma sentença, por exemplo, pode indicar que ali existe uma ironia, porque nem sempre dá para captar sutilezas em alta velocidade.“Não podemos pensar unicamente na função comunicativa, mas também na força criadora e criativa da palavra”, afirma Ubiratan Brasil, do jornal O Estado de S. Paulo. Especializado em literatura, Ubiratan não é amigo do internetês. “Ele elimina os ‘floreios’ da língua, aqueles termos que dão um colorido indispensável à linguagem.” Claro que a afirmação vale mais para a literatura do que para um bate-papo virtual. O leitor que se aventurar a dar uma volta pela internet atrás do idioma próprio da rede vai descobrir diferentes conversas de diferentes tribos. Talvez não entenda por que escrever um “naum” pode ser mais prático do que digitar um simples “não”. “Tem um shift ali no meio. Acho que apertar duas teclas ao mesmo tempo dá uma certa preguiça em algumas pes­soas”, diz a produtora e designer Cris Lima, que tem 22 anos e o hábito de navegar em sites diferentes de diversão e relacionamento, como Last-fm, Flickr, Otumblr, Orkut, MSN, MySpace e Skype.

“É preciso lembrar que o internetês é uma mera questão de grafia”, aponta o professor Bagno. “Expressões como ‘blz’ (beleza), por exemplo, são impronunciáveis, não têm realização fonética possível, de modo que não existe nenhuma chance de, no futuro, as pessoas ‘falarem’ como se escreve na internet”, ele diz. Ou existe?O certo é que não dá para remar contra a corrente. No computador, a juventude já escreve nessa língua. Até que ponto o internetês pode contaminar o português escrito? “A internet já contaminou”, afirma o dono de um dos mais acessados blogs do país, o também apresentador de televisão  Marcelo Tas. “Não só a língua, mas a forma como a gente vive”, diz.

Doce-de-Coco
O escritor Antonio Prata pondera: “A língua não é uma senhora com cuja saúde devamos nos preocupar em excesso.”Destacando, no entanto, a importância da gramática nas conversas eletrônicas: “Quando faltam vírgulas e acentos necessários à compreensão da mensagem, é ruim. Como dizia Stanislaw Ponte Preta: “quem gosta de doce-de-coco sabe a importância do circunflexo”.O internetês nasceu para suprir a necessidade de unificar dois mundos diferentes, o real e o virtual. “Outro dia, zapeando pelos canais”, diz a designer Cris, “parei para assistir a um filme que, para minha surpresa, era legendado em ‘internetês’. As pessoas andam escrevendo, falando, lendo e interpretando como fazem diante do computador. Em algum momento isso vai ter que se integrar ao português.” Escrever bem, mesmo que seja no espaço virtual, depende de leitura. Ler ajuda a entender o mundo. As pessoas andam lendo mais ou menos do que antes? Bem, a realidade da internet demonstra que, aos trancos e barrancos, elas têm escrito cada vez mais. Um outro passeio veloz por alguns blogs de diferentes matizes espalhados pela internet mostra que, no mínimo, as pessoas procuram escrever num português legível. Aliás, os blogs de literatura e informação em português proliferam na rede.

Estímulo à Leitura
O suporte livro, que os arautos do apocalipse condenaram ao desaparecimento há alguns anos, não parece querer abandonar seu corpo físico. O que falta é estímulo para a leitura. E bibliotecas espalhadas democraticamente pelo país. “Isso ajudou os portugueses”, afirma o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que debita na conta das raras bibliotecas africanas existentes a escassez de novos e bons escritores no continente.

É conhecida a história de outro escritor de língua portuguesa, o brasileiro Ruy Castro, que começou a ler aos 4 anos, no colo da mãe. E debutou na leitura com as crônicas de A Vida como Ela É, de Nelson Rodrigues, publicadas no jornal carioca Última Hora. Claro que os tempos eram outros, e a casa da família de Ruy, recheada de livros, jornais e revistas, um caldo perfeito para quem queria aprender a ler. Hoje, Ruy trabalha no computador, cercado de livros. Mesmo nas mensagens rápidas da internet, escreve com a elegância de sempre.“Toda e qualquer língua viva do mundo é o resultado de todos os processos de transformação pelos quais ela passou ao longo de sua existência”, lembra o professor Marcos Bagno. “Se o português brasileiro contemporâneo é diferente do latim, do qual ele deriva, é porque ao longo da história houve muitas e variadas ‘contaminações’, isto é, processos internos à língua e também externos a ela, como o contato entre povos, as transformações sociais, as demandas culturais, etc.” Significa que um terreno tão fértil de expressão como a internet não passaria em branco no contato com a língua, mesmo que fosse apenas a escrita.

Apenas Ferramenta
Mas é importante saber que a internet não é um demônio com vontade própria, segundo Marcelo Tas. “A internet, assim como o telefone, os livros, a caneta Bic ou o liqüidificador, é apenas uma ferramenta”, ele diz. “É tarefa de cada um de nós descobrir uma forma de usá-la com sabedoria. Assim, vamos tecer uma rede que contenha conhecimento e beleza, e não só baboseiras.”O certo é que o preconceito puro e simples contra o internetês não vai ajudar a língua portuguesa a acomodar a riqueza da nova expressão surgida na rede. Que pode não ser culta nem bela, mas já é real. ©




Eles estão nas salas de bate-papo, nos e-mails, em toda a rede. São símbolos para comunicar estados de espírito (emoticons) e expressões das quais a tendência é não conseguir escapar. Conheça um pouco desse idioma:
AKI = Aqui
BJS = beijos
BLZ = Beleza
Buaa, snif = Choro, tristeza
Ctafim? = Você está a fim?
Ctaí? = Você está aí?
D+++++++++= Demais
FALOW = Adeus, até mais
KD = Cadê?
Pru6 = Para vocês
Rs, Hehehe, hauhuahaua = risos
T+ = Até mais, tchau
Vc = Você
;-) = Piscada, ironia
:-) = Feliz
:-( = Triste





Literatura e Comunicação na Era Eletrônica. Fábio Lucas (Cortez) - Este livro, de um grande defensor da expressão livre da internet, fala da criação literária tocada pelas mais variadas formas de comunicação da era moderna, como o rádio, o telégrafo, o cinema e a imprensa. Daí pode-se imaginar o que a internet é capaz de fazer com a literatura e a língua falada no Brasil. Interessante como ele compara a comunicação feita na velocidade da luz com o ritmo mais reflexivo da criação literária.

Preconceito Lingüístico: O que É, Como Se Faz. Marcos Bagno (Loyola- Existe, sim, um preconceito lingüístico arraigado na sociedade brasileira. Bagno, língüista e professor da Universidade de Brasília, mostra de que maneira a mídia e a multimídia colaboram para aprofundar essa atitude.

A Nova Desordem Digital. David Weinberger (Campus) - O autor analisa o fenômeno da gigantesca escalada da informação disponível na rede, e as maneiras, igualmente numerosas, de checar o que realmente interessa, se é valioso e correto.

The Cult of the Amateur: How Today’s Internet Is Killing Our Culture. Andrew Keen (Doubleday) - Keen é totalmente contra a “revolução” proposta pela segunda geração da internet, a web 2.0, com a interatividade de conteúdos propostos por amadores em blogs e sites como a Wikipédia e o YouTube. (Pode ser encomendado na Cultura)

A BOA LÍNGUA ESCRITA E FALADA - Dom Casmurro é apenas uma das obras-primas de Machado de Assis. Se escrever bem depende de um bom background de leituras, a melhor estratégia é começar pelo que interessa. Dom Casmurro não é apenas imensamente bem escrito: é um clássico de linguagem e de expressão cotidiana. A voz do autor ainda pode ser ouvida hoje, como se acabasse de ser pronunciada. Outra boa referência para se ter um português exemplar é ler Eça de Queiroz. Qualquer título vale pela elegância e correção no uso da linguagem.
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Tem mulher mais brasileira que aquela cujo primeiro texto literário que leu em português foi uma história de Monteiro Lobato no verso de um folheto do Biotônico Fontoura? E cujo primeiro êxtase foi ver um cacho de bananas? Escritora, tradutora, educadora, roteirista pioneira de programas de TV para crianças – e russa. Cada vez que se fala de Tatiana Belinky a toada é sempre a mesma. Mais de 70 anos de Brasil, vários prêmios, mais de cem livros escritos em bom português (entre os mais recentes estão O Cão Fantasma e Histórias de Bulka), jeito brasileiro, maroto, de viver e falar, mas russa, todo mundo acrescenta. Então não tem jeito mesmo, é pela Rússia que vamos começar.
Por Carlos Moraes

A Rússia é grande. Onde mesmo a senhora nasceu? Em São Petersburgo, que já foi Petrogrado, virou Leningrado e hoje é São Petersburgo outra vez. Uma cidade que surgiu do nada, como Brasília, com Pedro, o Grande trazendo arquitetos e artistas da Itália, da França. Meu pai estava lá completando seus estudos.

Como foi sua infância? Minha infância foi em Riga, na Letônia. A cidade é banhada pelo Rio Dángava, por onde os navios não paravam de passar a caminho do Mar Báltico. Da janela do nosso apartamento a gente via três grandes pontes, a dos carros, a dos trens e uma que os alemães construíram durante a guerra. No inverno o rio ficava congelado e pelo seu leito passavam pessoas, trenós puxados a cavalo... Na primavera, grandes blocos de gelo começavam a estourar, a explodir. Um barulho infernal, parecia um bombardeio. Um dia vi uma vaca desesperada em cima de um grande bloco de gelo a caminho do mar. As quatro estações eram dramaticamente bem definidas. Os crepúsculos eram lentos. Fui rever São Petersburgo quando fiz 9 anos. E sabe qual foi meu presente de aniversário? Uma visita ao Museu Hermitage. Nunca vou esquecer. As obras famosas, os grandes corredores, e eu ali, deslumbrada com tanta beleza.

Os livros já faziam parte da sua vida? Se faziam! Eu tinha uma estante bem provida. Nunca me lembro de mim sem livros. Meu pai lia ou me contava histórias. Aos 4 anos eu já sabia ler, primeiro em russo, depois em alemão. Em Riga, as placas das ruas eram em três línguas. Russo, alemão e letão, a língua da terra. Eu morava na Rua dos Navios.

Por que a decisão de emigrar? Por vários problemas sociais e políticos. A Letônia sempre foi um ponto de passagem. Volta e meia alguém pisava lá e tomava conta. Chegamos como imigrantes, em 1929. Sem nada. Minha mãe já era dentista formada havia dez anos, veio com seus instrumentos. Eu cheguei com uma correntinha no pescoço e um livro na mão. A correntinha tinha medalha do Moisés, o da Bíblia, que eu achava muito parecido com meu avô. O livro era do Turguêniev, de contos. Que tenho até hoje. Está ali, se desmanchando. Precioso, cheiroso. É o próprio cheiro do passado.

E a chegada ao Brasil, como foi? O navio aportou no Rio e foi um assombro atrás dooutro. Minha primeira estranheza no Brasil foi ver o sol se apagar de repente, como uma lâmpada. As pessoas todas de branco e chapéu de palha. Mas sabe qual foi o meu maior susto? Quando vi lá no porto um cacho de bananas. Em Riga a gente só via banana uma a uma, e uma vez por ano. Meu pai trazia de longe. Ela era repartida entre os três irmãos. E, de repente, lá embaixo, aquele cacho enorme. A gente não sabia nada do Brasil, o máximo que imaginava da América eram os arranha-céus de Nova York. Mas aquele cacho de banana ali solto, imenso, de vários andares... Eu disse: “mãe, acho que estamos em Cocanha, aquele país imaginário onde é tudo fácil e a comida chega do céu...” Mais tarde aprendi que o nome científico da banana é Musa Paradisíaca. Por isso acho que, no Paraíso, não foi maçã coisa nenhuma, foi banana...

Como foi sua transição do russo para o português? Natural. Criança aprende as coisas naturalmente. Mas não perdi o contato com as minhas outras línguas. Logo que nos estabelecemos na Rua Jaguaribe (SP), onde minha mãe abriu seu consultório, nós nos inscrevemos e passamos a alugar livros em duas bibliotecas circulantes, uma russa e outra alemã. Dona Eva Herz, mãe dos fundadores da Cultura, era dona de uma dessas imprescindíveis bibliotecas.

E sua descoberta de Monteiro Lobato? O primeiro texto que me caiu nas mãos foi um folheto do Biotônico Fontoura com uma história dele no verso. Era uma história do Jeca Tatuzinho. Eu tinha pouco mais de 10 anos e gostei muito, já lia em português com fluência. Mais tarde, tive um sério problema na biblioteca do Colégio Mackenzie, onde estudava. É que não me deixavam pegar os livros que queria. Só podia ler livros para – meninas! Eu tinha uns 12 anos e fiquei escandalizada. Como uma escola pode ter livros para meninas e livros impróprios? Nem sabia direito o que era impróprio, mas já não gostei. Fui me queixar para meu pai. Minha mãe era feminista e comunista, mas, nesses casos, não intervinha. O poeta e contador de histórias era meu pai. Ele foi, sentou na escrivaninha e, em bom português, escreveu dois bilhetes, um para a diretora e outro para a bibliotecária, nos seguintes termos: “Minha filha Tatiana tem a minha autorização para retirar da biblioteca os livros que ela quiser ler”. Foi um escândalo. Então uma fedelha dessas pode ler qualquer coisa? Mas como o pai era a última instância, passei a ler o que quisesse.

Dizem que até no seu casamento com o psiquiatra e escritor Júlio Gouveia os livros foram importantes. Nosso casamento foi também um encontro de nossas estantes. Tem uma história engraçada. Éramos namorados, durante o dia ele estudava e eu trabalhava, de forma que a gente se encontrava à noite. Eu morava na Rua Itacolomi e depois do jantar íamos passear ali perto, na Praça Buenos Aires. Uma noite, lá estávamos nós conversando num banco quando de repente chega um guarda e pergunta: “mas vocês são namorados mesmo?” Respondi, irritada: “somos sim, e daí? Não pode?” E ele: “não, tudo bem, é que nunca vi namorado falando tanto, vocês só falam”. E a verdade é que tínhamos sempre muito assunto. Júlio era poeta, lia livros diferentes dos meus e tínhamos muitas convergências, mas também muitas divergências. É claro que a gente não só falava, mas aquela noite calhou de ter muito assunto e as discussões foram ficando muito acesas, para o espanto do guarda.

Como começou, por volta de 1952, o trabalho de vocês no teatro? Na festa de aniversário de uma menina de 4 anos, filha de amigos. Júlio gostava muito de teatro. Ele chegou e disse: “por que, em vez de uma boneca, a gente não dá de presente um teatrinho para essa menina?”. Ele foi e adaptou um trecho do Peter Pan, reunimos os irmãos, os amigos e, na festa, apresentamos o espetáculo. Foi um sucesso. Um funcionário da Secretaria de Cultura sugeriu que a peça fosse aumentada e apresentada no Teatro Municipal, em benefício de uma escola. Outro sucesso. Naquela época, não existia um teatro para crianças. Durante quase três anos fizemos isso. Foi assim que começou o nosso Teatro Escola de São Paulo, num aniversário de criança.

E a televisão? Nosso grupo foi ficando conhecido e a TV Tupi nos convidou para apresentar algumas peças. Era um teatro meio cinema. Com três câmeras se aproximando, se afastando... O público adorou e o telefone da emissora não parava de tocar: eram pais pedindo mais programas para criança na TV. Começamos com Fábulas de Esopo, fábulas alemãs, peças curtinhas, de uns dez minutos. O nome era Fábulas Animadas. Depois de algumas semanas, a Tupi nos pediu algo brasileiro. Foi então que entrou a adaptação do Sítio do Picapau Amarelo. O primeiro foi o Júlio quem escreveu. Ele tinha experiência, era diretor do teatro amador do Sesc. No segundo espetáculo ele disse: “agora é com você”. E foi assim que virei roteirista.
O espetáculo, claro, era ao vivo. Como faziam em caso de falhas? O grupo ensaiava muito, horas e horas, às vezes até tarde da noite. Eu já tinha sacado bem o funcionamento das três câmeras, mais o som, a iluminação. Às vezes a câmara passava de um cenário para o outro. Algum problema, o que era raro, a gente simplesmente trocava de cenário. Foi tudo muito heróico e maluco durante... doze anos! E tudo sem contrato. Não queríamos que ninguém interferisse. Comerciais, só antes e depois do espetáculo. O livro, donde saía a história, era mostrado para o telespectador.

A senhora conheceu Monteiro Lobato? Uma vez, bem antes da TV e mesmo do teatro, ele nos procurou. Eu já estava casada, tinha dois filhos. Uma noite o telefone toca e uma voz meio áspera lá do outro lado pergunta: “Aí é a casa do Júlio Gouveia?” “É, quem quer falar com ele?” “Aqui é o Monteiro Lobato”. A minha reação: “Ah é? Pois então eu sou o rei Jorge da Inglaterra?” Ele riu, me explicou que era ele mesmo, que havia lido um texto do Júlio sobre sua obra e perguntou se podia nos visitar. Às nove horas tocou a campainha. Júlio abriu a porta e ele foi logo dizendo: “Na sua idade, eu tinha a sua cara”. Engraçado que o meu pai disse a mesma coisa quando conheceu o Júlio. Todos queriam ser bonitos como ele!

Como foi a visita? Conversamos por umas duas horas. Na hora de fazer o café, telefonei para meu irmão Benjamin, pedi que viesse correndo conhecer Monteiro Lobato em pessoa. Tínhamos todos os seus livros, ele era objeto da nossa suprema admiração. Tanto que Benjamin me respondeu: “Isso é hora de trote?” Depois veio correndo e ficou meio paralisado diante da figura do Lobato. Quando apertou sua mão, como que se esqueceu de retirar. Depois me cochichou: “Nunca mais lavo esta mão”.

Cinema, televisão e, agora, Internet. Que será do livro? Nada jamais vai substituir o livro. O livro é algo seu, você leva aonde quer, lê, relê, é um amigo mesmo. Nada como ele para estimular a cabeça, a imaginação. Um mesmo livro é quantos leitores ele tiver. Porque cada um deles vai entender do seu jeito. Outro milagre: em cada releitura o livro é diferente para a mesma pessoa. O livro que alguém relê aos 40 anos vai dizer coisas diferentes daquelas da primeira leitura, aos 20... Um bom livro não tem começo nem fim, é infinito.

Como os pais podem estimular a leitura? Lendo, tendo livros em casa. Criança é curiosa, graças a Deus. Se vê um livro ali, fechado, ela vai abrir. Mas tem de ter o livro. O Ziraldo diz que ler é mais importante que estudar. Porque para a criança o importante não é estudar, é aprender. E ela aprende o tempo todo. Profissão de criança é aprender, mesmo quando está brincando. Especialmente quando lê, está aprendendo.

O que é um livro bom para as crianças? Minha neta disse uma vez: “Sabe, Tati, livro que não dá pra rir, que não dá pra chorar e não dá pra ter medo não tem graça”. É isso aí.

O que um escritor de livros infantis deve levar em conta? Senso de humor é importante. E não se preocupar muito com a moral da história. Com esse negócio de isso pode, isso não pode, isso é bonito, isso é feio, isso é de menino, isso é de menina... Desde pequena gosto de fábulas, mas sempre achei que a tal moral da história é um desaforo. A boa história é a que se explica por si mesma. E se a criança quiser entender de uma forma diferente? Mais original, mais bonita, mais dela? A criança sabe tirar suas conclusões. Ética é bom, mas não deve ser imposta. Criança tem muito senso de justiça.

Dentre seus muitos livros, Coral de Bichos, O Grande Rabanete, tem um que se chama Limerique das Coisas Boas. O que vem a ser um limerique? O limerique é um estilo de verso inspirado numa cidade da Irlanda, Limerick, e desenvolvido pelo poeta Edward Lear. São cinco linhas, três versos rimando, o primeiro, o segundo e o quinto; o terceiro e o quarto, mais curtos, rimam entre si. Isso dá ritmo, é ótimo para fazer algumas brincadeiras. Aprendi na Playboy americana. Claro que o autor lá se valia do limerique de uma forma maliciosa. Mas aí eu pensei: posso brincar com isso de outra maneira. A idéia é ressaltar uma coisa que é o contrário do que penso, e a criança, que não é nada boba, vai entender direitinho. Olha este exemplo aqui:

“Quem pensa que eu sou uma ogra
No seu pensamento malogra.
Língua bifurcada?
Só quando enfezada.
Porque eu sou mesmo é sogra.”

A senhora é escritora de sucesso, foi pioneira na televisão e uma guerreira do livro. Qual é, na sua visão, a grande figura feminina da literatura brasileira? Capitu e Machado de Assis que me perdoem, mas é a Emília, do Monteiro Lobato, por sua impertinência e sua independência. Ele conta que, quando estava ali, formatando seus textos, a Emília ficava ao seu lado, dando palpites, cobrando. Um dia ele perguntou: “Quem é você, afinal?” Ela respondeu: “Eu sou a independência ou morte”. ©

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REVISTA DA CULTURA



Em movimento inédito no mercado editorial brasileiro, a obra completa de Jorge Amado, escritor que influenciou toda a cultura nacional, será relançada aqui e no exterio
por Mônica Rodrigues da Costa

Um empreendimento inédito no mercado editorial brasileiro ultrapassa as fronteiras literárias com uma indiferença salutar ao cânone e lança novamente em todo o país a obra de Jorge Amado – o Roberto Carlos da literatura brasileira, o nosso rei – com festas e flores. Em outras palavras, a partir de uma grande campanha publicitária, com palestras, exposições fotográficas e filmes, site bilíngüe na internet e shows e homenagens que incluem Chico Buarque, Caetano Veloso, Nana, Dori e Danilo Caymmi, um suplemento para crianças e capacitação para professores em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Salvador e Belo Horizonte. O feito é da Companhia das Letras, toda concentrada nesse megaevento que ocorre de março deste ano até 2012, ano do centenário de nascimento do escritor. De acordo com o editor da casa editorial, Luiz Schwarcz, o relançamento da obra do baiano está “à altura de Jorge Amado. Sua obra ultrapassa os limites da literatura, porque ele influenciou toda a cultura brasileira. O trabalho de divulgação da obra de Jorge Amado está sendo construído em longo prazo e é voltado para a formação de novos leitores. Envolve estímulo a crianças e jovens, com concursos e premiações dos melhores trabalhos sobre o autor para que sua obra seja valorizada como merece”.

Schwarcz contou que foi autorizado pela família Amado a dirigir também as publicações internacionais de seus livros a partir das edições paulistanas. Bem cuidadas graficamente, com revisão primorosa, os livros trazem prefácios de artistas célebres no Brasil e no mundo: José Paulo Paes, João José Reis, Peter Fry, Nelson Pereira dos Santos, Tatiana Belinky, José Saramago, Mia Couto, entre outros. Os primeiros volumes publicados são A bola e o goleiro (de 1984, para crianças, ilustrado por Kiko Farkas), Dona Flor e seus dois maridos (de 1966, que vem acompanhado de um caderno de imagens do filme e da série televisiva homônimos), Capitães da areia (1937), com posfácio de Milton Hatoum, Mar morto (1936), A morte e a morte de Quincas Berro d’Água (1959) e Tocaia grande (de 1984, com posfácio de Roberto DaMatta e caderno de imagens). A Coleção Jorge Amado, coordenada por Alberto da Costa e Silva e Lilia Moritz Schwarcz, traz também o romance Jubiabá (1935) em forma de história em quadrinhos, desenhada por Spacca, que passou uma temporada em Salvador para observar “lutadores de capoeira e os vendedores que trabalham nas ruas para fazer um livro que interesse a públicos de todas as idades”. Trará também um livro inédito, de artigos que o autor escreveu sobre a Segunda Guerra Mundial para um jornal de Salvador, com lançamento ainda em 2008. Para Lilia Schwarcz e Alberto da Costa e Silva, Jorge Amado ensina a compreender o Brasil. “Em uma época em que a mistura de raças era entendida como um grande problema, já nosso autor, nas obras que foi criando, se transformou em um grande defensor da mestiçagem entre brancos, negros, cafuzos, caboclos, mulatos” – escreveram os organizadores na apresentação da coleção. As tiragens dos livros iniciais variam entre 3 mil e 15 mil exemplares, e os preços, de 24 a 51 reais. Tais volumes estão desde março nas livrarias.

João Jorge Amado, 60, escritor como o pai, disse que está contente com a escolha da Companhia das Letras para editar a obra de Jorge, devido à proposta editorial dessa empresa. “Mas as seis editoras que nossa família convidou por meio de uma carta-convite apresentaram a proposta de buscar novas faixas de leitores e um cuidado muito grande com as edições.” João Jorge lança em março o livro Lá ele, o esparro na Bahia. Segundo o autor, trata-se de “um estudo sobre as expressões ou coisas faladas com duplo sentido que têm por objetivo colocar a pessoa com quem se fala em um esparro (embaraço)”.
Influências
Para o dramaturgo e ensaísta paulistano Otavio Frias Filho, autor de Queda livre –Ensaios de risco, diretor de redação da Folha de S. Paulo, todo brasileiro recebeu a marca da prosa de Jorge Amado: “Eu diria que é uma influência que está no ar e atravessa as gerações. De minha parte, acho que fui influenciado ao menos por Capitães da areia, que li, acredito, aos 12 anos – leitura para mim inesquecível. Idem quanto a Gabriela, que devo ter lido quando tinha talvez 16 anos”.
O melhor de tudo é que os leitores aprendem com Jorge Amado, ao mesmo tempo em que se divertem com as aventuras por ele criadas. Para lembrar aqui a idéia do poeta paulistano José Paulo Paes (1926 – 1998), suas narrativas problematizam – e provocam – a prosa nacional, se pensadas sob a perspectiva da estética da ficção, e são lúdicas a ponto de promover o entretenimento do público mais simples, que lê enquanto espera o ônibus. As histórias do criador da saga do cacau estão no coração de leitores de todas as classes sociais – o que é reforçado pelo fato de romances e novelas suas terem se transformado em filmes, telenovelas, seriados. Proporcionar o prazer da leitura é a característica mais importante, segundo o poeta paulistano Frederico Barbosa, diretor do espaço cultural Casa das Rosas e professor de literatura (deu aulas no ensino médio do Logos e em cursos preparatórios para vestibular, como o Anglo), além de autor de Cantar de amor entre os escombros, entre outros. “Esse relançamento chega para romper um velho preconceito contra a ficção de Jorge Amado, contra o best seller e contra – o mais importante – certa elite endinheirada que acha que é pecado fazer arte para ganhar dinheiro. Jorge Amado viveu da literatura, foi um escritor comercial, mas isso não significa que não tivesse domínio de sua obra e não tenha sido um espírito curioso e generoso. Ele não se deixou levar pela narrativa derramada do regionalismo dos anos 30. Foi homenageado por Graciliano Ramos – que tem o estilo mais econômico –, que ele incentivou a publicar seu primeiro livro, Caetés, dedicado a Jorge Amado. Para certos críticos é um desprestígio produzir uma literatura que seja gostosa de ler, que dê prazer.”

O baiano Aleilton Fonseca, autor de Contos cruéis, contou que começou a ler Jorge Amado também na adolescência. “Sou de origem grapiúna (do litoral), passei a infância e a adolescência em Ilhéus, vivi e cresci nos cenários do romance Gabriela. Creio que minha predileção por temas, ambientes e situações populares, por personagens simples do povo, por enredos e vivências de feição interiorana e por narradores que primam pela forma de ‘contar’ a história para envolver o leitor é, em certa medida, resultado de minhas leituras amadianas.”

Fonseca, também co-editor das revistas Iararana e Légua e meia – de literatura e diversidade cultural, editadas na Bahia –, concorda com Barbosa: “Alguns críticos literários faziam-lhe (alguns ainda fazem) restrições estéticas. Paradoxalmente, Jorge Amado sempre foi um autor muito lido, com obra de grande apelo popular. Seus livros constituíram ‘leitura escondida’ de algumas gerações de mulheres ‘de família’. Com a crescente liberação dos costumes e, no Brasil, com a multiplicação dos cursos de letras, sua ficção passou a ser mais referenciada e adotada em estudos importantes. Sua obra é um monumento literário, que exige edições com aparato crítico e iconografia”.

Para Evelina Hoisel, professora titular de teoria da literatura da UFBA e integrante da Academia de Letras da Bahia, o mérito do texto de Jorge Amado está na construção dos personagens, a partir do diálogo entre o erudito e o popular, criando uma teia de relações que não existia antes na literatura brasileira. “Jorge Amado criou um código de representação de valores que passam por seus personagens, que a crítica literária canônica não teve parâmetros para ler, por ser hierarquizante e por privilegiar valores instituídos, da alta e ‘bela’ literatura. Jorge Amado vem rasurar esses padrões”, comenta Hoisel, autora de Grande sertão: Veredas – Uma escritura biográfica (Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2006) e de Supercaos – Os estilhaços da cultura em Panamérica e Nações Unidas.

Perfil do escritor e da obra O sertanejo, o malandro de praia, o fazendeiro, a prostituta, a beata, o comerciante imigrante árabe, os filhos de portugueses e espanhóis, o capoeirista multicor, o homem de bem estão representados na obra de Jorge Amado e desenham o brasileiro sincrético e multirracial. Também estão lá a corrupção política, o combate ao nazismo e aos regimes totalitários, a glosa, o deboche, o sincretismo religioso e as expressões idiomáticas dos nordestinos, especificamente dos baianos, tudo narrado cinematograficamente em tom irônico e consciente, oscilando entre a concisão oswaldiana de um Serafim Ponte Grande e o derramamento lírico das canções populares. Personagens reais transpostos com precisão para a ficção que, agora, revisada à luz da passagem do tempo, constata-se terem contribuído para adensar a literatura nacional. Não é à-toa que o leitor contemporâneo reconhece em sua obra a presença de personagens febris como o Raskólnikov, de Dostoiésvski, ou os olhos entornados machadianos, seja em Gabriela, cravo e canela, seja em Farda fardão camisola de dormir, romances escritos em 1958 e 1979, respectivamente.

Jorge Amado nasceu entre Ilhéus e Itabuna, em uma fazenda, e criou romances do ciclo do cacau. Depois, morou em Salvador, viajou pelo mundo, radicou-se em Paris. Foi existencialista, amigo pessoal de Jean-Paul Sartre e um bricoleur, reunindo assuntos e motivos recorrentes na criação literária internacional – seus livros foram traduzidos em mais de 40 países. O poeta e crítico literário Haroldo de Campos (1929-2003), na ocasião de sua morte, em 2001, declarou à Folha de S. Paulo que Jorge Amado foi o maior contador de histórias do país: “Para mim, o que há de mais significativo na obra de Jorge Amado é sua imaginação fabular, sempre capaz de engendrar novos enredos. Nesse particular, sua obra que mais me agrada é A morte e a morte de Quincas Berro d’Água, em que ele retoma um tema lendário e tradicional. Desde o começo de sua carreira, ele sempre conseguiu pontilhar sua narrativa de traços metafóricos, de um cunho lírico que percorre e dá graça a seus textos”.
Para o escritor baiano Aleilton Fonseca, que também viveu em Ilhéus e é autor de Nhô Guimarães – Romance–homenagem a Guimarães Rosa, além de doutor pela USP, professor de literatura brasileira na Universidade Estadual de Feira de Santana e correspondente da revista francesa Latitudes: cahiers lusophones, a ficção de Amado, além do valor estético formal, é um testemunho etnográfico e sociológico do Brasil. Quem não se lembra da gangue de meninos de rua chamados popularmente na cidade da Bahia de “capitães da areia”, que brincavam e furtavam nas praias que vão do bairro do Cantagalo até a Boa Viagem dessa velha Salvador e que agora comandam o país com os grupos de traficantes de armas e drogas?


“Jorge Amado inventou um novo tipo de romance, a partir da matriz romântica popular e do espírito neo-realista da ficção social de 30, em que história, ideologia, denúncia, aventura e situações prosaicas compõem narrativas que se caracterizam pelo toque épico e lírico, pelo dinamismo do relato, pelas passagens satíricas e cômicas e pela linguagem desabusada do narrador. Amado produziu uma ficção política na época em que foi militante comunista, um aspecto hoje considerado menor de sua obra. Muito além disso, ele criou a saga romanesca do cacau, no sul da Bahia, ‘a terra dos frutos de ouro’, com os desbravadores, fazendeiros, coronéis, jagunços, exportadores e políticos locais, mostrando o contexto do auge e da decadência do coronelismo provinciano e sua lenta superação pela classe média urbana. Amado também criou o romance que valoriza os elementos populares grapiúnas e afro-baianos, incorporando à ficção uma geografia étnico-cultural até então menosprezada pela cultura oficial”, explicou Fonseca.
Diz José Saramago, na coleção que agora se publica, sobre o “gigante” Jorge Amado: “Poucas vezes um escritor terá conseguido tornar-se, tanto como ele, o espelho e o retrato de um povo inteiro. Uma parte importante do mundo leitor estrangeiro começou a conhecer o Brasil quando começou a ler Jorge Amado. E para muita gente foi uma surpresa descobrir nos livros de Jorge Amado, com a mais transparente das evidências, a complexa heterogeneidade, não só racial, mas cultural, da sociedade brasileira”. ©

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

REVISTA DA CULTURA

Amilton Pinheiro
Conversar com a poeta Adélia Prado é como comer um bolo de milho, acompanhado de um cafezinho “passado na cara do freguês”. Ela transmite a sensação de conversar com seus interlocutores do mesmo modo como prosearia com amigos na beira de uma calçada da pequena Divinópolis, cidade mineira onde nasceu em 13 de dezembro de 1935. Sua “mineirice” não está só no sotaque nem nas expressões de sua região, mas principalmente na visão de mundo, que brota de sua poesia, tor-rencialmente germinada de significados. Para Adélia, a obra de um artista, quando verdadeira, seja de que arte for, tem o poder de revelar a poesia contida no ser das coisas: “Eu não dou conta de pegar o ser de uma rosa, de um rio, de uma passagem, de um rosto. Só quem consegue revelar esse ser das coisas é a arte, que nos mostra a beleza suprema delas.” Assim como no livro Minha vida de menina, em que Alice Dayrell Caldeira Brant relata, sob o pseudônimo de Helena Morley, seu cotidiano, dos 13 aos 15 anos, na Diamantina do final do século 19, a poesia e a prosa de Adélia Prado concebem o inefável das coisas que estão a nossa volta, por meio de um olhar descortinado das miserabilidades humanas do dia-a-dia. Uma outra parte de sua poesia e de sua prosa nos conduzem para a finitude da vida, o grande dilema humano. Tendo perdido a mãe ainda muito jovem, a poeta nunca se desligou da sua cidade natal, assim como sempre manteve a certeza de que nunca teria a pretensão de obter uma cadeira de imortal na Academia Brasileira de Letras (ABL). Para ela, a falta de convicções é um mal da política e da sociedade contemporânea. A entrevista a seguir mostra uma escritora de opiniões fortes, preferências plurais, devotada à arte verdadeira, mas, principalmente, segura de que a consciência do homem de que um dia ele morrerá é o grande motor das suas inquietudes.
A morte e consciência de finitude humana são duas das principais questões que a sua obra contempla. Não acha que a certeza da morte deveria aplacar a falta de serenidade da alma humana? Deveria, se nós não quiséssemos ser infinitos e imortais. Tem até a Academia Brasileira de Letras (ABL) para você virar imortal. Que dizer, você nasce para a vida, não quer morrer. Mesmo a pessoa que deseja morrer, só tem este sentimento porque tem uma vida ruim e queria uma melhor. Por isso, a finitude é realmente um tormento, assim como o tempo. Apesar de sermos finitos, nós intuímos e desejamos o infinito, a vida eterna, que não se acaba, a felicidade, saúde, alegria e beleza. Nós queremos tudo isso. Se não quiséssemos isso, a vida perene não teria a menor importância. Tudo o que fazemos é mascarar a morte. A cultura é uma espécie de defesa contra a morte, uma forma de esquecê-la um pouquinho. Ir ao baile, fazer uma festa, escrever um livro, é tudo empenho para esquecer a existência dela.
A perda de sua mãe, quando ainda era jovem, e de seu pai, refletiram em sua obra. Como tais fatos a modificaram? Da mesma forma que modifica a vida de todo mundo, sendo escritor ou não. Enquanto você tem seus pais, acaba vivendo, de certa forma, numa bolha, como se fosse eterno. Você experimenta o sentido da proteção. Com a perda dos pais, você é confrontado com uma realidade com a qual não quer lidar de jeito nenhum. O inimigo número 1 é a morte. Se você tem um mínimo de consciência, a morte te leva fatalmente ao amadurecimento. Acredito que uma obra, feita depois de uma perda dessas, tenha o mesmo efeito de uma guerra, da fome, da peste. Essas coisas afetam o homem e atingem aquilo que ele produz. A arte não está num patamar desligado da experiência cotidiana. Enquanto nascimento do homem, ela tem a sua letra, o seu timbre, e é afetada pelos fatos, pelos acontecimentos. Então, certamente eu estaria escrevendo outra coisa, não sei.
A figura materna foi a forma que encontrou para dialogar com sua mãe? Fica sendo, mas não é uma intenção. Eu não poderia escrever para dialogar com minha mãe. Isso seria equivocado. O livro, seja sobre o assunto que for, não é escrito para nada. Você não escreve para algo. Não tem uma intenção. Algumas coisas pedem expressão. A arte é expressão pura, não é discurso. Não é para dialogar. Às vezes, até dialoga, mas não foi escrito com essa intenção. Tudo a priori é um equívoco muito grande e quase certeza de fracasso.
Por isso, acha que a literatura engajada já esteja fadada ao esquecimento? O engajamento é isso. “Olha, eu sou um escritor e agora vou contribuir com meu país e, por isso, vou escrever um livro sobre ecologia”. Devo ficar caladinha e não falar a palavra ecologia, porque não é isso que vai mover as pessoas. Agora, se eu der conta de escrever um poema maravilhoso, e as pessoas que o lerem disserem: “Agora eu não quero cortar mais árvores!”, então terei cumprido a missão para a qual me propus, sem ser didática, nem catequista-apostólica. Eu fiz algo que vai levar as pessoas a preservar a natureza, mas a força é da arte, da beleza, enfim, da palavra. Essa coisa de engajamento não, isso deixa para o discurso político, sociológico, para as escolas. A obra de arte não pode ser didática. Didatismo é muito chato. Você vai ler o romance e o autor fica ensinando permanentemente uma coisa, você não agüenta.
Concorda quando os críticos falam que sua obra é impregnada de religiosidade e valorização do feminino? Quanto à religiosidade, não é minha obra não! Toda obra de arte verdadeira – e eu suponho que esteja fazendo arte, isto é, que esteja escrevendo literatura de verdade – tem um fundamento de ordem religiosa, queira o autor ou não. Primeiro, trata-se de uma atividade da vida simbólica, pois a criação artística é da esfera do simbólico. Os procedimentos da fé e da mística também são dessa natureza. Então, estas duas experiências, estas duas atividades têm um fundo comum. Ainda que o autor se proclame agnóstico ou ateu, a obra o contradiz, porque está acima disso e, queiramos ou não, tem esse fundamento de natureza transcendental, que nós podemos chamar de religioso.


Você falou sobre a Academia Brasileira de Letras (ABL)... Tem alguma intenção de mudar de idéia e um dia se candidatar a uma vaga? Não, de jeito nenhum! Só se deixar de ser eu, mudar de pensamento. Não tenho vocação para imortalidade; quero ser sempre estreante. Não quero ser veterana. Não quero esse caminho, essa consagração, porque somos inconsagráveis. Somos precários demais. Eu acredito que essa é uma convicção interna minha, muito interna. Acredito que é uma convicção, meu Deus, é uma convicção! Igual ao outro que diz: “Eu acredito que sou inocente!”

Quando esteve, em 2006, na Festa Literária Internacional de Parati (FLIP), você chamou a atenção por causa de algumas posições políticas, como em relação ao “homem-bomba” e à decepção com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Suas opiniões mudaram? Dois anos é pouco para mudar uma opinião e, além disso, o panorama político do mundo continua o mesmo. A questão do “homem-bomba” se refere exatamente à linguagem política, dos políticos, que não inspira mais confiança porque eles perderam a natureza simbólica. Quando discuti esta questão, naquela ocasião, não entrei no mérito da aprovação ou não do ato, ou que esta atitude deva ser a correta. Mas acredito que um suicida, um terrorista suicida, aja por causa de suas convicções. Podemos discutir se é correta ou equivocada, mas que é uma convicção é e, por isso, causa medo e tem também o poder de convencimento. Com relação ao PT (Partido dos Trabalhadores) foi a mesma coisa. Eu disse que o PT perdeu a carga simbólica, então, perdeu também o poder de motivação social das pessoas. Isto é, aquilo que comove, que mexe com a gente, é o que faz com que eu aja, que a gente aja.

A maioria dos escritores não gosta de falar sobre seus trabalhos de estréia. Como vê hoje seu primeiro livro, Bagagem, de 1976? Eu vejo com a maior alegria. Hoje, eu estava escolhendo uns textos para ler e li com a maior tranqüilidade, como se não fossem de minha autoria. Acho bom demais. Isso me dá uma certeza de que os minhas obras estavam corretas, estavam certas. Eu leio e falo: “É isso mesmo”. Leio como se fosse de outra pessoa. Não tenho preguiça de ler e não digo: “Nunca mais quero ver esse livro”, quero sim. Eu sou leitora das minhas próprias obras, porque, rigorosamente falando, não sou autora delas. Se é bom, é porque é belo, e a beleza não é obra minha. Ela vem de um lugar mais alto. Da parte da alma. Agora eu imitei o Guimarães Rosa (risos).

Falando em escritor, quais são suas influências literárias? Acho que os autores que a gente ama sempre influenciam nossa obra. Não sei de que maneira. Às vezes, você começa imitando. Eu me lembro que imitava aquele poeta mórbido... o Augusto dos Anjos. Seus poemas eram bons de recitar na escola. Tem o Jorge de Lima, Drummond, Guimarães Rosa, que quando descobri foi uma festa que continua até hoje, a Clarice Lispector... Se pudesse, colocaria todos num ônibus e saía por aí. Gostaria de viver na companhia deles, ficar no céu com todos, fazendo chacrinha com eles (risos).

Tem um trecho de um poema seu, Objeto de amor, que diz: “(...) e, mais que perdôo, eu amo”. Quando li este poema, me lembrei de uma frase da esposa de Euclides da Cunha, Ana de Assis, que disse, quando separou de seu amante e depois esposo Dilermando de Assis, “Eu não errei, eu amei”. O amor está acima dos erros? O amor... Agora é minha vez de citar São Paulo [Paulo de Tarso é considerado pelo cristianismo um dos mais importantes apóstolos de Jesus Cristo, e um dos fundadores da religião], que diz: “O amor cobre a multidão dos pecados”, e afirma que o amor é “salvístico”. Agora, o que não é amor, pode ser a maior boa ação que você fizer, é lixo. Se você faz uma grande boa ação sem amor, melhor é não fazê-la. Aquilo que é feito com amor, ainda que errado, tem um olhar compassivo de Deus, porque é amor. E o que é amor? É aceitação, é sentimento de acolhida, de perdão, aí vai tudo junto.

Como foi a experiência de passar um tempo sem escrever? Foi exatamente um período de deserto, de esterilidade. Eu me questionava: “Será que nunca mais vou ser capaz de escrever um verso, uma linha?”. Então, foi um completo deserto, mas também uma carga muito grande de renovação. É um sofrimento que eu desejo para todo mundo, porque sem isso você não avança.

Nunca ter escrito um romance a frustra de alguma forma? Não. Tem muito tempo que estou com alguns poemas e algumas idéias. Viver é tão bom também e tão importante que, se a coisa cair, cai do céu, é um presente, mas, se não cair, não tem importância. Eu penso: “Que bom se eu fizesse um romance, quem me dera”. Mas não passa disso, porque não tenho poder sobre isso. Se eu tivesse, já teria uma pilha de livros. ©

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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

REVISTA DA CULTURA

Miriam Sanger
O mais conhecido autor moçambicano de todos os tempos transita com graça pela poesia e pela prosa, mostrando a força de uma condição que denomina “estar” escritor. Muito arraigado às suas origens, consegue transmitir a leitores das mais diversas nações o vocabulário, a cultura, as angústias e as alegrias de Moçambique, tornando universal um dos países mais pobres do planeta. Não é apenas a incrível qualidade da literatura inventada pelo escritor, nascido em 1955 e batizado António Emílio Leite Couto, que surpreende: sua aparência, o nome adotado e a profissão também. Mia é filho de imigrantes portugueses que foram residir em Beira e, nas inúmeras palestras que ministra mundo afora, o público muitas vezes aguarda uma senhora negra com vestes multicoloridas. Eis que surge um homem branco, traços europeus, óculos, terno. Sua inventividade é de longa data: aos 3 anos de idade, em função da paixão por gatos, criou para si mesmo o apelido que até hoje usa. Poeta - é assim que ele se define - continua trabalhando no campo da biologia, área em que se formou. De qualquer forma, coleciona vários prêmios literários internacionais, inclusive um no Brasil: a obra O outro pé da sereia ganhou, em 2007, o 5º Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura como melhor romance publicado em língua portuguesa. Aos 14 anos, publicou os primeiros poemas, Notícias da Beira. Desde então, as letras vão saindo magicamente de seus dedos. Ele trafega por um tipo de realismo fantástico que remete a Gabriel García Márquez, mas com raízes muito bem plantadas na realidade de sua região. Outras vezes, faz lembrar Guimarães Rosa, pela criação incansável de neologismos. Brincações, desconsigo, choraminhices, noitidão, impossível não entender o que querem significar e maravilhoso perceber como é possível poetizar a prosa com palavras inventadas. Aliás, detalhe curioso: inúmeras vezes elas vêm à sua cabeça, e ele as anota em pedacinhos de papel que vai amontoando nos bolsos das roupas. Em algum momento, se encaixam nas frases sempre bem-lapidadas de sua literatura. Outra importante característica do autor de Venenos de Deus, remédios do Diabo é seu engajamento político. Lutou contra Portugal pela independência de sua pátria (ocorrida há pouco mais de três décadas) atuando na política e no ensino, sem pegar em armas: a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) só permitia isso à população negra. Em nosso país, às suas obras, a editora acrescenta um glossário ao final para que se compreendam os vocábulos típicos do português de lá, que tornam seus livros ainda mais interessantes. O fio das missangas, acaba de ser lançado por aqui, trazendo 29 contos entrelaçados como miçangas ao redor de um fio, revelando muito das falas do homem de sua terra e demonstrando mais uma vez a proximidade e admiração declarada deste moçambicano pelo universo do autor de Grande sertão: veredas. Mia se revela sempre em produção. Nas respostas dadas nesta entrevista, realizada por e-mail antes de ele sair a campo isolado para uma pesquisa biológica, utilizou sua forma peculiar de usar a língua, mantida nas linhas a seguir, também sem adotar as regras do novo acordo ortográfico.
Dizem que você mesmo criou o curioso apelido Mia. Sim, por causa da minha relação com os gatos. Contam meus pais que eu dormia com os bichos como se fosse um deles. Certa vez, proclamei que queria ser chamado de Mia. Meus pais aceitaram e talvez tenha sido esse meu primeiro acto de ficção. Tinha, talvez, uns 3 anos de idade.
Como sua família foi para Moçambique? Meus pais emigraram do Norte de Portugal no início da década de 1950. Fixaram-se numa pequena cidade no centro do país, Beira, e ali tiveram seus três filhos. Eu sou o do meio. Meu pai migrou por razões políticas – na altura, Portugal vivia uma ditadura fascista, e ele foi objeto de perseguição política.
Como é seu cotidiano? Sou biólogo de profissão e grande parte do meu tempo é passado em trabalho de campo, na floresta e na savana. No mais, sou casado com Patrícia, que é médica. Tenho três filhos: Madyo, Luciana e Rita. Os dois primeiros já saíram de casa. E vivo em Maputo, capital de Moçambique.
Sua primeira obra foi escrita aos 14 anos. Qual foi a repercussão? Ela marca minha decisão de viver o mundo por via da poesia, a necessidade de poetizar a vida. Não é apenas um livro, é uma declaração de fé numa crença que não tem nome, senão o desejo de estar disponível para ser encantado.
Você acompanha a literatura brasileira, poderia citar autores preferidos daqui e também de seu continente? Acompanho mal a nova literatura brasileira, mas posso citar como meus preferidos Adélia Prado, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Clarice Lispector. Na literatura africana, há vários nomes expoentes, como o nigeriano Amos Tutuola, os angolanos José Eduardo Agualusa, Luandino Vieira e, já bem conhecido, o sul-africano J. M. Coetzee. Também em Moçambique temos grandes autores, como os poetas José Craveirinha e Rui Knopfli. Mundo afora, é preciso citar Anton Tchekov, Juan Rulfo e Gabriel García Márquez. Brasil e Moçambique são países colonizados por portugueses, que falam a língua portuguesa, com uma grande mistura de raças e povos.
Qual a nossa afinidade mais marcante? Existe uma afinidade de que pouco se fala e que é a religiosidade, um sentimento de crença muito marcado pelos sistemas religiosos africanos. E também o modo como esses sistemas se permeabilizaram e deixaram-se mesclar com a religiosidade católica. Essa marca é para mim mais funda e duradoura que a língua. O Brasil não passou pela experiência de guerra pela independência, ao contrário de Moçambique.
Quais marcas permanecem nos moçambicanos? Há coisas que creio que resultaram positivamente pelo facto dos moçambicanos terem resolvido dentro de si sua relação com o ex-colonizador. Houve uma luta armada que criou terrenos bem distintos de afirmação e nos libertam da necessidade de confronto com o outro. Teria sido diferente se um filho de portugueses tivesse, em solo moçambicano, proclamado o grito do Ipiranga.
Existe alguma obra sua que você considere mais especial do que as demais e, uma vez que transita entre diversos gêneros, há alguma com a qual tem mais afinidade? Meu gênero é a poesia. Sou um poeta que escreve histórias e que se realiza na prosa. Meu romance Terra sonâmbula foi redigido no final da guerra civil no meu país e sua gestação marcou-me profundamente. Eu acreditava que não seria possível escrever um livro que falasse da guerra enquanto ela estivesse decorrendo – apenas depois, no momento da paz, quando os fantasmas da violência estivessem adormecidos. Mas sucedeu que fui visitado, noite após noite, pela urgência da escrita. Eu estava, sem o perceber, a aplacar os demônios interiores que a violência da guerra haviam despertado em mim.
Qual dos gêneros é mais difícil? O infantil, sem dúvida. Porque não sei pensar esse gênero e me custa acreditar que se escreve para crianças. A idéia de que elas pedem uma escrita simplificada é uma tentação fácil, mas profundamente arrogante. Nessa escrita, percebemos que não sabemos falar com a infância que ainda vive em nós. Tanto o Brasil quanto Moçambique vivem situações tristes em diversos aspectos, ainda mais no que diz respeito a infância e educação.
Você acredita que haja alguma forma de a literatura ajudar na transformação da realidade nacional? Acredito que a literatura pode ajudar a manter vivo o desejo de inventar outra história para uma nação e outra utopia como saída. Não que eu tenha ilusão sobre o poder da literatura, mas a escrita literária pode, em certos momentos, ter funções de terapia coletiva. Regresso ao caso moçambicano do período pós-guerra. O que aconteceu foi uma mesma espécie de amnésia coletiva. Ninguém se recorda de nada do que aconteceu. Foram 16 anos de guerra fratricida, 1 milhão de mortos, mas ninguém quer, hoje, relembrar este tempo de cinzas. Trata-se de uma estratégia de não despertar fantasmas mal resolvidos. No entanto, é triste não termos mais acesso a esse tempo, perdermos parte de nossa história recente nos faz sermos menos nós mesmos. É aqui que a literatura pode ter função resgatadora. Pode permitir acesso, fora de sentimentos de culpa e de dedos acusatórios.
Como é seu processo criativo? Há alguma preparação especial para iniciar uma obra? Não tenho ritual. No fundo, tenho para mim que a escrita não pode ser resumida ao seu lado visível, que é quando nos sentamos com caneta e papel ou com computador.
Houve algum evento ou pessoa que despertou sua vocação literária? Meu pai é poeta. Mais do que isso: vivíamos a poesia, mais do que líamos. Recordo as vezes em que, devido a uma certa desconfiança, mandavam-me fazer os deveres de casa no local de trabalho dele, que era um armazém obscuro dos Caminhos de Ferro, na pequena cidade colonial da Beira. Doía-me muito ver meu pai, um poeta, ali, naquele recanto poeirento e penumbroso. Mas, ali mesmo, naquele local sombrio, eu aprendi uma das mais importantes lições de toda minha vida. Meu pai, para meu espanto, se apressava muito que eu desse despacho nos deveres. Demoras?, perguntava ele, inquieto. Mal eu pousava a caneta, ele me pegava pela mão e me levava para a luz, para o descampado. Caminhávamos por entre os trilhos, os carris ferrugentos, e ele passeava por ali garimpeirando pelo chão, à cata de quê? O que procurava ele entre sujidades e poeiras? Procurava pedrinhas coloridas, dessas que tombavam dos vagões, e trazia na concha das mãos como se tivessem vida e carecessem de aquecimento. Lá fora estrondeava a guerra colonial e o mundo se rasgava. Minha mãe recebia em casa aqueles lixos brilhentos e muito ralhava com ele. As pedras voavam pela janela, meu pai se internava pelo corredor num desmaio de penumbra. Lembro-me de ter interpelado depois de uma dessas zangas maternas. “Pai, tu também és atrasado mental?” Eu hoje agradeço ao meu pai me ter ofertado essa cumplicidade, esse outro pai que nascia dele quando se tornava cúmplice, me esgueirava dos meus deveres e saltava para a desobediência. Meu pai se convertia em outro menino, e eu ainda hoje encontro inspiração nessa habilidade e vou pela linha férrea a descobrir encanto e encantamento na busca desses brilhos do chão.
Você pretende, ou gostaria de, um dia viver apenas de literatura? Mesmo que pudesse, e talvez agora eu já possa, não queria viver exclusivamente da escrita. É vital para mim ter esta dispersão de atividades, poder fazer coisas tão distintas e manter janelas abertas para a ampla diversidade da vida. Eu “estou” escritor, duvido que “seja” escritor.
Não dá para não falar do acordo ortográfico. Qual é sua opinião? Não sou contra, mas também não milito a favor. Creio que em Portugal houve reações nervosas e crispadas porque, devido a um falso debate, alguns acreditaram estar a prescindir do patrimônio fundador da sua própria identidade a favor do Brasil. Eu acredito que se deve discutir os verdadeiros fatores que nos afastam – e os principais fatores do nosso afastamento não são de ordem lingüística. São de natureza estratégica, das opções políticas dos nossos governos. Os livros brasileiros são lidos sem nenhuma dificuldade em Moçambique, e os moçambicanos são lidos no Brasil sem que a grafia diferente perturbe.
Como se deu o convite para compor a letra do hino de seu país, junto com outros autores? Samora Machel, o primeiro presidente de Moçambique, pensou que era preciso mudar a letra de um hino que tinha sido concebido em período da revolução socialista e marxista. Um novo que servisse, como ele disse, de lençol e sombra para todos os moçambicanos. Ele convocou à maneira da guerrilha um grupo de poetas e músicos, fechou-os numa casa e disse: vocês têm uma semana para produzir um novo hino nacional. Nós produzimos diversas alternativas. Anos mais tarde, quando se introduziu o pluripartidarismo no país, alguém se lembrou de que havia esse manancial de propostas. E assumimos como criação colectiva aquele que é o novo hino nacional.
Você está em produção literária no momento? Estou sempre em produção, mesmo que eu não tenha consciência clara disso. Mas, no caso, estou há três anos laborando num novo romance. Mas realmente, e sem que isso seja uma pose de afectação, não sinto que posso levantar o véu dessa história. Por fim, cultura é... Um modo de sermos quando todo o resto nos nega. ©

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REVISTA DA CULTURA


Nós não temos a mínima pista de como é a sociedade angolana - ou a moçambicana. Aliás, a maioria de nós deve pensar que Angola, Moçambique, Madagascar, Zanzibar é tudo a mesma coisa, não é?” Escrito em tom de autocrítica pelas autoras do blog carioca Duas Fridas num post sobre o acordo ortográfico, o texto acima é um resumo bem-acabado de como nós, brasileiros, sabemos pouco sobre a África. Em Madagascar, ilha do Oceano Índico de onde vieram aqueles simpáticos pinguins do cinema, fala-se francês. Já em Zanzibar, conjunto de duas ilhas na costa da Tanzânia, o idioma é o inglês. “A África é um planeta diferente, um cosmo múltiplo. Somente por comodidade simplificamos e dizemos ‘África’. Na verdade, a não ser pela denominação geográfica, ela não existe”, explica o jornalista polonês Ryszard Kapuscinski no prefácio de Ébano, livro fundamental para entender as diferenças entre os 53 países do segundo continente mais populoso da Terra (900 milhões de habitantes, só perde para a Ásia) e o terceiro mais extenso (cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, ou 20,3% da área total de terra firme do planeta).
Kapuscinski, morto em 2007, percorreu o território de ponta a ponta durante quarenta anos do século 20, nos quais mais de 10 mil pequenos países, reinos, uniões étnicas e federações deste lado de cá do Atlântico conseguiram se libertar do domínio europeu. Ele ainda teve fôlego para retratar o cotidiano dos nativos em A guerra do futebol, além de traçar o perfil de ditadores como Hailê Selassiê, autocoroado imperador da Etiópia de 1930 a 1974, ano em que foi deposto. Como em todo o mundo, a história se repete como farsa também na África. Robert Mugabe, no poder há 28 anos no paupérrimo Zimbábue, foi apelidado em outubro último de “O destruidor” pelo jornalista Jon Lee Anderson (o mesmo que escreveu Che Guevara: uma biografia) num perfil singular para a revista The New Yorker. Mas por outro lado, o continente-berço da civilização também deu ao mundo figuras de grande envergadura, como Nelson Mandela, o ex-presidente da África do Sul que ficou encarcerado durante quase três décadas por lutar contra o Apartheid – regime de segregação racial imposto pelos brancos –, e Miriam Makeba, conhecida em todo o mundo como “A imperatriz da canção africana”, vencedora do Grammy de 1966 pelo disco An Evening with Belafonte/Makeba, cuja voz radiosa calou-se em novembro passado durante show contra o racismo na Itália. Nas palavras do historiador e diplomata Alberto da Costa e Silva, anotadas nas primeiras páginas do clássico A manilha e o libambo, “um africano de uma região pode ser tão diferente do de outra quanto um alemão de um andaluz e um húngaro de um escocês”. VAI E VEMJá que é praticamente impossível apresentar em profundidade toda a África, sua incalculável variedade linguística e sua riquíssima cultura milenar, nada melhor do que começar a entender o continente a partir da realidade de nossos parentes mais próximos. Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Guiné-Bissau são os cinco países onde oficialmente fala-se português, além de diversas línguas nacionais, como crioulo, quimbundo e ovumbo, os dois últimos ramos linguísticos do tronco banto. Em todos eles, principalmente em Angola, nação que, de acordo com um dos Sermões do Padre Antônio Vieira, formava um agregado único com o Brasil no século 16, está em curso uma revolução cultural que daqui a alguns anos certamente vai atravessar o Atlântico e talvez tenha, guardadas as devidas proporções, o mesmo impacto provocado pelo desembarque dos 11 milhões de africanos nas Américas enquanto vigorou a escravidão. Só de Angola para o Brasil foram levados mais de 4,8 milhões de cativos de acordo com os cálculos do historiador catarinense Luis Felipe de Alencastro em O trato dos viventes. Os africanos, apesar de todo o sofrimento imposto pelo degredo, foram grandes responsáveis por obras-primas da cultura mundial como o jazz, o samba, a rumba, a capoeira, o candomblé, reinventaram a cozinha dos colonizadores portugueses, ingleses e espanhóis e, no caso específico do Brasil, contribuíram para retirar os “ossos” da Língua Portuguesa. Hoje, de acordo com estimativas da Embaixada do Brasil em Luanda, vivem mais de 40 mil brasileiros no país. “Eles trabalham em empresas de construção civil, indústria petrolífera, agências de publicidade, universidades e prestam consultoria em diversos ramos de atividade”, explica a secretária Fabiana Moreira. Em média, todos retornam ao Brasil a cada três meses para passar férias de quinze dias com a família. “Será que Angola não se transformará numa espécie de 27º Estado brasileiro?”, questiona Mathias de Alencastro, filho do historiador e estudante de História que defenderá uma tese de mestrado sobre o país este ano na Universidade de Paris. Em Cabo Verde, o nome mais representativo das artes vem da música, mais especificamente da morna, um tipo de canção que mistura crioulo com português, e é Cesária Évora. Conhecida em todo o mundo como “A dama dos pés descalços”, Cesária cantou para o então presidente Bill Clinton, na Casa Branca, gravou algumas canções com Caetano Veloso e foi a grande atração internacional da mais recente edição da Virada Cultural, quando cantou no cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João, em São Paulo, grande sucessos como “Lua nha testemunha” e “Mar azul”. A cultura Moçambicana, como a cultura africana em geral, continua a ser apenas associada ao imaginário de Tarzan, de cinema americano, máscaras e artesanato ancestral. Uma idéia enviesada que contribui para desvalorizar a produção artística contemporânea do continente. Ninguém fica indiferente após conhecer a obra de Malangatana, José Craveirinha (que em 1991, tornou-se o primeiro escritor africano ganhador do prêmio Camões) ou Mia Couto. Malangatana é um dos artistas plásticos moçambicanos mais reconhecidos internacionalmente. Mas existem trabalhos que merecem destaque, como os de: Ângelo de Sousa, João Aires, João de Paulo ou Rui Calçada Bastos. Bertina Lopes é outro nome que revela ao mundo a qualidade da produção artística da ex-colônia portuguesa, segundo a crítica italiana Paola Rolletta: "Na história da pintura, muitas vezes seu nome é posto ao lado da mexicana e grande artista, Frida Khalo. Duas vidas diferentes, mas com traços comuns muito fortes, e sobretudo com qualidades pictóricas e humanas muito peculiares". Entre os escritores, vale lembrar de Rodrigues Júnior, Guilherme de Melo, Luís Bernardo Honwana, Correia de Matos e Ungulani Ba Ka Khosa. Entre os poetas, José Craveirinha e Rui Knopfli são os mais conhecidos, mas não devemos nos esquecer de Alberto de Lacerda ou Reinaldo Ferreira. A música moçambicana também impressiona. Em 2005, a Unesco reconheceu a timbila chope, um instrumento de percussão, como patrimônio da humanidade. Na Guiné-Bissau, o clima político instável não permite que a força artística projete-se para o mundo. Há dois meses, um golpe de estado colocou o minúsculo país outra vez no noticiário internacional. Vale a pena, no entanto, conhecer a obra dos escritores Amílcar Cabral e Félix Sigá, ambas marcadas pela relação do país com o mar. Em São Tomé e Príncipe, por sua vez, duas ilhotas reunidas sob a mesma federação, faltam coisas básicas como dentistas, mas a pintura de Almada Negreiros e a música de Viana da Mota nos encantam ao primeiro contato, pois transmitem algo de ingênuo muito próximo do registrado no Brasil rural do século 19.

ANGOLA É AQUI
A população de aproximadamente 17 milhões de habitantes sabe quase tudo sobre o Brasil, desde a escalação dos nossos times de futebol, os atores e atrizes mais famosos, o nome de nossas praias, até pormenores sobre a vida de escritores como Jorge Amado, Graciliano Ramos e, claro, Paulo Coelho. “Os africanos consomem intensamente a cultura contemporânea brasileira, mas o contrário ainda não acontece”, diz o músico Fernando Alvim, diretor da Fundação Sindika Dokolo. A instituição dirigida por Alvim detém a maior coleção particular de arte contemporânea africana, organiza a Trienal de Luanda (a segunda edição está agendada para 2010) e acaba de inaugurar, em São Paulo, a Soso, primeira galeria de arte contemporânea no país. Instalada num edifício projetado por Oscar Niemeyer, na Avenida São João, o espaço exibirá, na coletânea de inauguração, trabalhos dos vídeo makers Ihosvanny e Yonamine e fotografias sobre alumínio de Cláudia Veiga e Kiluanji Kia Henda, todos referências nacionais em suas respectivas áreas. “No Brasil, a África ainda é vista como o continente da escravidão, da dor e do sofrimento, muito por causa de poemas como O navio negreiro, de Castro Alves. A abertura da galeria vai ajudar a mudar essa visão e, quem sabe, causar o mesmo impacto e estranhamento artístico que Basquiat conferiu à cena artística de Nova York nos anos 1980”, aposta Alvim. De forma geral, há um movimento organizado entre os artistas angolanos para que os seus trabalhos não sejam reduzidos no imaginário mundial a máscaras decorativas, adornos de marfim ou tecidos com geometria colorida. O primeiro passo foi a retumbante participação do país no pavilhão africano na última Bienal de Veneza, mostrando exatamente tudo o que fosse diferente de máscaras, colares e tecidos. “A ideia de que, para o século 21, a contribuição da África na história da arte mundial se reduziria ao artesanato decorativo gela-me o sangue. Ou talvez não, faz-me ferver”, escreveu o colecionador Sindika Dokolo num manifesto lançado em Luanda em 2006. Até o presidente da República, José Eduardo dos Santos, tomou para si os anseios dos artistas e, num discurso dirigido ao ministro da Cultura, fez mea-culpa por ter se pronunciado poucas vezes sobre o tema. “Minha principal atenção foi dedicada a prioridades como defender nosso território de agressões externas e manter as fronteiras estabelecidas”, justificou o homem que está no poder em Angola há 30 anos, mas se distingue dos seus homólogos pela condução da guinada do ex-país marxista à economia de mercado feita em 2002, levando a nação a ser a única que cresce a taxas de dois dígitos no continente.

NOVOS SONS AFRICANOS
Em Luanda, Benguela, Huambo, Namibe… em todas as capitais provinciais angolanas, o cenário é de caos. Centenas de gruas erguem edifícios de um dia para o outro e o que se escuta é barulho, muito barulho, tanto de máquinas pesadas como também de novos sons que tocam nos alto-falantes das candongas, um tipo de van chinesa de cor azul convertida no único tipo de transporte público existente no país, e nas caixas de sons dos quintais. Nada pode impactar mais os ouvidos do visitante do que o kuduro, um ritmo musical criado há dez anos nos Mussekes (como são chamadas as favelas com barracos de lata no local) por adolescentes procurando notoriedade, uma forma de se afirmar num país onde a justiça ainda é madrasta. As letras são de protesto, assim como no rap das favelas cariocas e paulistas, e procuram retratar os problemas de todos os dias, como a criminalidade, a prostituição, a corrupção, a falta de água e luz, a condução lotada etc. Os kuduristas mais consagrados do país são Helder, o rei; Dog Murras, o patriota; Sebem, o mais popular, e Puto Prata, o doutorado. O ritmo invadiu todos os lares, carros e festas da classe média e alta do país e começa a se tornar conhecido também no Brasil. O kuduro já foi tema do quadro “Central da periferia”, de Regina Casé, exibido no Fantástico, e tornou-se atração fixa no matutino Hoje em dia, da Rede Record, emissora que transmite a programação brasileira para toda a África lusófona. Outro ritmo muito forte é o hip-hop (que aqui se pronuncia “ip-óp”), estilo que tem no quarteto Os Kalibrados seu maior expoente. O grupo, formado por quatro jovens que se vestem de grifes famosas da cabeça aos pés, usam pulseira e correntes douradas e não dispensam óculos escuros bem fashion, já fez mais de 150 apresentações dentro e fora do país nos últimos três anos, além de abrir shows de colegas famosos ao redor do mundo, como DMX, Missy Elliot, Kanye West, Pharrell Williams e 50 Cent, este último fã confesso de Angola, mesmo tendo sido vítima de um assalto que lhe custou uma famosa correntona e um bling cravejado de diamantes durante uma apresentação para 7 mil pessoas, em abril de 2008. De acordo com o jornal O País, o álbum Cartas na mesa, lançado em dezembro, vendeu 11 mil cópias nas primeiras doze horas da sessão de autógrafos que Os Kalibrados fizeram na portaria de um cinema. Faixas como “Não deu para ser fiel” e “Bam Bri Bam” estão na boca do povo. Numa vertente mais soft, surgiu há oito meses a Next, banda que faz um som afro-eletro-acústico e que se converteu na melhor tradução musical contemporânea de Luanda. O sexteto gravou o primeiro CD e DVD em novembro e, entre uma música e outra, promove releituras dos poemas de Agostinho Neto, o homem que comandou o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), principal partido de oposição ao regime colonial português e, depois, se transformou no primeiro presidente do país, em 1975. De acordo com uma reportagem de Gabriel García Márquez publicada em 1976 na então revista Homem (que dois anos depois passaria a se chamar Playboy), Agostinho Neto, na prisão, compunha seus poemas com letras miúdas em pequenas tiras de papel e as escondia enroladas dentro de um cigarro. Às vezes, só havia dois versos em cada cigarro. Quando sua esposa Maria Eugênia ia visitá-lo, ele lhe oferecia um cigarro e ela o levava sem acendê-lo, porque sabia que era o dos versos. Em sete anos de cárcere, escreveu Sagrada esperança, livro que reúne 49 poemas.

LITERATURA E CINEMA

Nas duas últimas edições da Festa Literária de Paraty, a FLIP, dois escritores angolanos surpreenderam a plateia: José Eduardo Agualusa, autor de As mulheres do meu pai, e Pepetela, o nome de maior projeção internacional das letras angolanas, vencedor do Prêmio Camões em 1997 e autor, entre outros, de Parábola do cágado velho, uma metáfora do horror vivido por dois irmãos que têm que fazer a guerra civil em lados opostos. Tido como uma das reservas morais do país, da mesma forma que Jorge Amado foi para o Brasil, Pepetela recentemente foi homenageado e teve seu nome dado a um auditório no centro da cidade. Lá, teve lugar, em novembro, a primeira edição do Festival Internacional de Cinema de Luanda. A história da sétima arte no local foi determinada, basicamente, pelo desenrolar da guerra. De 1985 até 2002, quando o conflito teve sua fase mais cruel, o cinema desvaneceu até a quase total inexistência. Em 2004, houve uma espécie de renascimento com o lançamento dos longas O herói, de Zezé Gamboa, e, dois anos depois, Na cidade vazia, de Maria João Ganga. Os documentários, por sua vez, surgiram com mais frequência, como é o caso de Angola: saudades de quem te ama, do namibiano Richard Pakleppa; Oxalá cresçam pitangas, de Ondjaki (também escritor representante da nova geração e atualmente morando no Rio de Janeiro) e Kiluanje liberdade, uma receita para curar os traumas do conflito com ginástica e ironia; Kuduro - Fogo no Musseke, de Jorge António, sobre a música/dança que tanto dá o que falar; e É dreda ser angolano, do coletivo Família Fazuma, um relato da vida dos guetos e da economia informal do país. O grande vencedor da mostra FicLuanda foi Mario Bastos, um angolano de 22 anos que mora em Nova York e rodou Kiari, a história de um rapaz que se prepara para receber um autógrafo do seu jogador de basquete preferido, mas que se desilude com a conduta do atleta. “É um filme sobre a perda da inocência patente na frase: ‘Segue o teu sonho, não sigas o teu herói’”, declarou Bastos na hora de receber o troféu. O diretor já começou a rodar, junto com o músico Keita Mayanda, um documentário sobre hip-hop intitulado O underground e o mainstream namoram em segredo. “Os autores querem trabalhar as semelhanças e o mundo secreto entre as duas correntes do estilo musical”, apontou Marta Lança, da revista Vida. “Quando se passa algum tempo em cidades como Nouakchott (Mauritânia), Dakar (Senegal) ou Luanda, o que se percebe é que tudo está em permanente mudança”, diz Pedro Pinha, um dos diretores de Bab Sebta (ainda sem previsão de lançamento no Brasil), filme que causou choque na mostra por contar as histórias de humilhação vividas por africanos na passagem fronteiriça entre Ceuta e Marrocos. Como em todo o mundo, os novos paradigmas do século 21 estão presentes na África e José Craveirinha, um de seus maiores poetas, ensina: para ser herdeiro do futuro, o passado não pode ser omitido. ©

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